António Rodrigues: "Sempre acreditei mais em fusões do que em aquisições"
Como consequência de tudo o que se está a passar no sector financeiro, podemos assistir a uma onda de fusões e aquisições?
Tenho uma opinião muito própria sobre essas operações, por estranho que pareça. Especialmente quando estão envolvidos prémios consideráveis. As dificuldades actuais centraram-se nos bancos de investimento e em alguns bancos de retalho que fizeram grandes aquisições: Fortis (com a aquisição do ABN) e o Royal Bank of Scotland, que agora vai ter como sócio maioritário o Governo. E vemos outros exemplos do outro lado do Atlântico. Estas transacções devem ser feitas com muito cuidado. Primeiro, porque distraem o management; segundo porque não se pode entrar em loucuras de prémios desmedidos. Portanto, sempre acreditei mais nas fusões do que nas aquisições. Estou muito contente que a tentativa de compra do BCP ao BPI não tenha tido sucesso.
Mas o senhor estava na administração do BCP nessa altura...
Estava e expressei a minha opinião , no sítio certo. E depois as pessoas são disciplinadas.
Mas se é favorável a fusões, foi a favor da proposta do BPI (fusão com o BCP )?
Fui favorável à operação de fusão, tal como foi apresentada, pelo BPI, no momento em que este a apresentou. Era a forma correcta de fazer aquela operação.
Mas a administração do BCP rejeitou a fusão. Houve divisão na administração?
Temos de separar aquilo que é táctico daquilo que é a essência das coisas. Quando se negociou a fusão, o BPI também negociou e teve uma posição exactamente idêntica àquela que o BCP também estava a ter. São circunstâncias do momento que não têm a ver com aquilo em que se acredita. Estou contente que o Conselho Geral e de Supervisão, naquele momento, tenha estabelecido o preço que estabeleceu e inviabilizou a fusão.
Das suas palavras, vê-se que ainda se sente como BCP ...
Sabe, foram muitos anos, e quando uma pessoa participa em algo que começa com 100 pessoas e chega a mais de 10 mil colaboradores, é impossível separar.
É nostalgia?
Não, não! É orgulho!
Tendo sido banqueiro, pedem-lhe conselhos sobre a actual crise financeira?
Muita gente me telefona a perguntar se pode deixar a conta no banco C, ou se deve mudar para o banco A. Se devemos pôr o dinheiro na Caixa Geral de Depósitos... Também já tive de explicar às pessoas que uma coisa é a garantia do Fundo Garantia de Depósitos, que cobre para sempre, e outra é a uma garantia dada pelo Estado numa determinada altura, como o caso da actual garantia do 20 mil milhões de euros.
Como se sente a assistir a esta crise, estando fora da banca?
Não consigo abstrair-me do que está a acontecer. Leio muito, por vezes à uma da manhã ainda estou a ver como o mercado asiático está a abrir... O que tem estado a acontecer é algo único desde o Pós-Guerra. O ser humano tem esta tendência de repetir os erros. Em 1929, com a Grande Depressão, tivemos uma crise económica gerada pelo facto de os bancos comerciais e mercado de capitais estarem misturados. Daí a famosa legislação, que durou até 1999, separando as duas actividades. Só neste ano foi autorizado que os bancos de investimento pudessem juntar-se aos comerciais.
Julga que isso está na origem da actual situação?
É uma das razões, mas existe um acumular de razões. A nova arquitectura financeira, a partir dos 80, com a liberalização, acreditava na essência do mercado não intervencionado. Alan Greenspan foi um dos grandes defensores. À medida que as coisas foram evoluindo, com um período de taxas de juro baixíssimas, as autoridades decidiram não intervir por se acreditar nesta nova arquitectura financeira. Portanto, não se criaram condições para evitar que isto acontecesse. Hoje, com a crise, as autoridades estão a voltar à regulamentação, cooperação entre autoridades, formação.
A regulação não acompanhou a globalização dos mercados...
Isso é claro. Como sabe, tive sempre a relação com os investidores institucionais, pelo menos desde 1995, e as coisas de forma brutal. Passou a existir um sector não regulado - bancos de investimento, hedge funds e private equity - completamente à solta. Não que eles não devam existir. Em 1992, um dos maiores accionistas do BCP era o fundo de pensões da General Electric (GE), que chegou a ter cerca de 8% do banco. Visitavam-nos, colocavam questões muito relevantes, para ver se vendiam ou não. Tomavam decisões de investimento, acompanhando quem tinha ideias e quem as desenvolvia. A partir de 1998, e, em especial para nós, a partir do momento em que deixámos de pertencer aos mercados emergentes, as perguntas passaram a ser diferentes. Comecei a reparar que os investimentos eram por prazos muito mais curtos. E estes senhores alteraram totalmente a lógica do mercado. Ninguém controlou nada. Mas isto só me preocupa na perspectiva de criação de emprego, na medida em que influenciará as empresas a tomar decisões de curto e não de longo prazo. Se isto fosse assim em 1986, o BCP como hoje o conhecemos não existia.
Mas essas entidades não reguladas devem existir?
Não sou contra o facto de existirem. Mas se actuam sem regulamentação e sem limites à sua capacidade de endividamento, a sua actuação deve ser controlada. Não sei se muitas pessoas têm esta percepção no Banco de Portugal, mas quem tenha estado na City de Londres tem-na. Estas casas de investimento normalmente estão no mesmo edifício. São pormenores, mas, como costuma dizer-se, the devil is in the detail... [tradução literal: o diabo está no pormenor...] Para mim, não deixa de ser preocupante ver actuações, em conjunto, de hedge funds com um determinado intuito. Isto não é mercado livre. Há muitos anos que ando a dizer que os hedge funds e o sector não regulamentado têm de o passar a ser. Porque senão acontece o que aconteceu. Foram a alavanca, acentuaram todos os movimentos e provocaram comportamentos que não deveriam existir. Não estou com isto a afastar responsabilidades da parte dos banqueiros. Não conseguimos criar sistemas de controlo de risco capazes de evitar que isto sucedesse.
Mas o que poderia ter sido feito para o evitar?
Julgo que era o próprio sistema, que se auto-alimentava, criando pressões sobre quem decidia. Esta relação entre remuneração e resultados foi criada pelo próprio mercado. As stock options foram induzidas pelo mercado. Dou-lhe um exemplo. Há dois, três anos, fui fazer uma apresentação a um hedge fund e pela primeira vez na minha vida não fui eu que apresentou. Foi o hedge fund que me fez a apresentação, com todos os aspectos, mas com uma visão de curto prazo. Isto foi para mim o último estádio da pressão que o próprio mercado fazia sobre os gestores. Inverteram-se os papéis. Era um sinal.
Os banqueiros deveriam responsabilizar- -se por não terem conseguido evitar esta crise?
Somos todos responsáveis. Acima de tudo há que ver o que aconteceu para evitar que se repita, isto depois de ultrapassarmos o pior momento. Pelo menos no fundo já batemos.
"ERA CRUCIAL CRIAR UM SISTEMA DE AVAL"
Os nossos bancos vão sobreviver à crise?
Temos instituições fortes, que fizeram um trabalho muito importante ao longo dos últimos vinte anos. Digo com muito orgulho que o BCP foi determinante para tudo o que aconteceu no sistema financeiro português. Foi um motor que fez com que toda a gente fosse atrás e se modernizasse. Fizeram também a sua capitalização já no decurso do ano passado e deste. Todos os bancos aumentaram o capital e isso é, no contexto actual, muito importante. Demos um salto tecnológico e estratégico, e não foi só na banca.
Está optimista que isso chegará...
Sim, especialmente no contexto das medidas que foram tomadas. Tratava-se de um problema de confiança e de liquidez. Todos sabemos que Portugal é deficitário, porque cresceu mais no crédito que nos depósitos. Mas não é só Portugal, também Itália, Espanha, Estados Unidos... Felizmente que o facto de estarmos integrados na Zona Euro foi absolutamente determinante para manter a confiança.
Não pensa que revela falta de confiança na banca portuguesa o facto de haver muitos depositantes a levantar o seu dinheiro?
A dimensão efectiva e consequentemente mediática desta crise acaba por transmitir-se às pessoas. Se em Inglaterra, um mercado conservador, informado e com os anos que tem, assistimos a uma corrida ao Northern Rock, não podemos ficar admirados com as dúvidas das pessoas, sobre os seus depósitos.
Julga que ainda há instituições que possam entrar em ruptura em Portugal?
A coesão demonstrada pelos governos europeus, com as medidas que tomaram, acabou por ser um exemplo para os Estados Unidos. Fomos muito mais cirúrgicos e exaustivos. Os europeus, num fim-de-semana, deram liquidez ao mercado para acalmar e restaurar a confiança, disponibilizaram fundos para capitalizar as instituições e deram garantias aos depositantes.
E isso é suficiente, para o nosso país?
Pela minha experiência de contacto com as pessoas, penso que é suficiente. Estas medidas são muito importantes, disse-o a quem de direito, há mais de três semanas. Era crucial que se estabelecesse um sistema de aval para o mercado interbancário e certamente que contribuirá para que os bancos agora possam retomar o seu dia-a-dia. Mas vai demorar tempo, porque a confiança perde-se num instante e depois para recuperar é muito mais difícil.
Esse conselho de que fala foi dado a pedido ou por iniciativa própria?
Por iniciativa própria e por sentido de obrigação. Mas não fui o único, outras pessoas também o fizeram.
"FIQUEI NO BCP PARA LUTAR PELO MEU BOM NOME"
O facto de ter sido o último administrador a deixar o BCP foi porque Santos Ferreira o convidou?
Não teve nada a ver. Foi uma atitude pessoal. Não está na minha maneira de ser não estar disponível. Havia o processo de preparação de informação para as autoridades e nos casos em que foi possível ajudei. Interessava ao banco e a mim. Quis lutar pelo meu bom nome. Todos temos esse direito. É algo por que quero lutar, foram muitos anos de sacrifício. Ainda continuo, quando me pedem, mas agora tenho muito menos necessidade.
Essa atitude foi vista por alguns como uma intenção de permanecer no banco...
Se quisesse permanecer, tinha tido essa oportunidade. Não era obrigado a sair, continuaria como director. Mas não faria sentido, havia que dar uma oportunidade às pessoas novas e não ser um empecilho a que desenvolvessem as suas ideias. Fiquei só com a intenção de ajuda. Sabe, sou aluno do Colégio Militar e aprendi que na vida é "um por todos e todos por um".
No fim do anterior conselho, já não era "um por todos e todos por um"...
A 15 de Janeiro, foi o voltar a essa máxima. E então senti que era minha obrigação dar o meu contributo.
Quando deixou o BCP ?
Antes do Verão, em Maio ou Junho.
Sente-se injustiçado, com o seu nome a ser apontado como um dos homens que sabiam de todas as irregularidades dentro do banco?
Acredito na Justiça. Há coisas que foram ditas que não correspondem à realidade. Não é o momento para falar sobre isso. Chegará a altura em que coisas que passaram para a comunicação social serão esclarecidas.
Quando será esse momento?
Quando as coisas chegarem às autoridades competentes e quando tudo isto acabar. Agora temos de deixar de olhar para o passado e olhar para o futuro. Nunca critiquei ninguém e se quisessem tinha ido ao Parlamento.
Não foi contactado para ir?
Alguns deputados queriam que fosse, mas não me chegou a ser solicitado.
O Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ouviram-no?
Tenho participado naquilo que me é pedido. Mas não entro em detalhes.
Alguns ex-colegas de administração do BCP têm uma postura mediática diferente. Como lê essas declarações sobre o BCP ?
Penso que são declarações responsáveis. Pelo menos as que li recentemente, de que os bancos portugueses são sólidos, feitas por uma pessoa responsável, como o dr. Paulo Teixeira Pinto. Sobre todo o outro processo que está em curso, não comentarei.
Paulo Teixeira Pinto tem marcado presença, com intervenções a vários níveis. É uma forma diferente de reagir à saída do BCP ?
O dr. Paulo Teixeira Pinto está a seguir o seu caminho, seguindo a quarta vida dele... (risos) É uma pessoa com muito valor e está a mostrar outras valências. Agora, o facto de alguém publicitar mais o que faz não desvaloriza o que os outros fazem. Não dando publicidade ao que tenho andado a fazer, tem tanto valor como o que o dr. Teixeira Pinto tem feito. Ele faz umas coisas, eu estou a fazer outras. Aliás, esta é a primeira conversa que tenho, porque nunca senti essa necessidade de publicitar o que faço.
Tem contactos com os seus ex-colegas de administração?
Sim, falo com quase todos. Para ser exaustivo, falei com todos.
Sobre a crise, sobre o BCP ?
Sobre coisas banais. Por exemplo, das iniciativas em que estou envolvido, em que procuro que os meus colegas participem (Cruz Vermelha, ISCTE), e outras que podem vir por aí. Falamos também sobre a situação do mercado.
Não falam do BCP ?
Do BCP , durante muito tempo, não falámos.
Está à espera de ser ilibado para se ligar a outro projecto bancário?
Eu fiz um corte.
Se for ilibado, pode regressar à banca?
Sim, mas não tenho muita vontade. Tenho procurado outros caminhos. Estamos num mundo em que existirão oportunidades e seguramente que haverá possibilidade de criar valor e emprego noutros projectos.
Está tranquilo em relação ao que o Banco de Portugal virá a decidir?
Não sei nada. O que sei é o que tenho lido, mais nada. Estou tranquilo e estou confiante que as autoridades vão analisar as coisas objectivamente.
Não haverá punições?
Não sei. Não conheço o processo. Está em segredo de justiça.
Era o senhor que conhecia quantas offshores existiam em todo este processo do BCP e que tinha de dar listagens às autoridades?
Após esse comentário que o dr. Paulo Teixeira Pinto terá feito no Parlamento, de que eu era o responsável pela entrega dessa informação, na sequência de uma questão colocada por um deputado, telefonei-lhe e perguntei-lhe se ele tinha dito aquilo. E a resposta que ele me transmitiu nessa altura foi a de que ele não tinha dito isso.
Teixeira Pinto disse concretamente que isso era matéria da responsabilidade de um CFO (administrador financeiro)...
Vou-lhe dizer a resposta que ele me deu: que o CFO era o responsável pela apresentação de contas . Em particular, ele tinha tido o desafio, quando assumiu a presidência do banco, de fazer a transição para as normas internacionais de contabilidade e que era o CFO o responsável pela preparação das contas.
Mas a prestação dessa informação era da sua responsabilidade?
Não. Não era da minha responsabilidade. Havia uma área dentro do banco, que tinha a incumbência do conselho, de remeter toda a informação pedida por qualquer autoridade, auditores externos ou Banco de Portugal. Não era do administrador financeiro a obrigatoriedade de enviar essa informação. Não é relevante. O que é relevante é se a informação foi ou não foi entregue. Nem sei porque é que a questão se levantou, porque é o banco que tem de prestar a informação. Cabe ao Conselho de Administração e este nomeou, há muitos anos, uma área do banco que tinha a responsabilidade de enviar esta informação. Sempre foi assim. Por isso é que fiquei chocado quando se disse isso.
Mantém contactos com o engenheiro Jardim Gonçalves?
Mantenho contacto com todos.
Mas o senhor sempre foi visto como muito próximo do engenheiro...
Julgo que há alguma confusão entre eu ser próximo do engenheiro Jardim Gonçalves (e havia mais pessoas próximas) e eu apoiar as suas posições. Na altura em que se levantou a questão de o Conselho de Administração ser eleito ou ser nomeado pelo Conselho Geral e de Supervisão (propostas de Jardim Gonçalves à assembleia geral de 28 de Maio de 2007), eu tive oportunidade de dizer que, apesar de na forma ter sido eleito pela primeira vez para o Conselho de Administração em 1995, na substância fui nomeado. A eleição em Assembleia Geral não seria possível se eu não tivesse sido escolhido pelo Conselho de Administração. Foi assim com todos os meus colegas, não entendo a relevância de tal questão. Portanto, estava de acordo com as propostas de Jardim Gonçalves. Por vezes, confundiu-se a minha proximidade com o facto de concordar com algumas das suas ideias.
Sentiu-se desapoiado pelos accionistas do banco?
A partir de determinado momento, as coisas deixaram de fazer sentido. Nada explica o que aconteceu. Não percebo como chegaram ao ponto a que chegaram. Alguém um dia fará um trabalho sobre isso. Porque ninguém ganhou. Não ganharam os clientes, nem os colaboradores, nem os accionistas. Demos uma machadada imensa numa instituição que era o orgulho do sistema.
Está disposto a contar a história?
Já a tenho escrita.
Está disposto a editá-la?
Um dia. Para mim, está muito claro o que aconteceu.
Como vê o trabalho da actual administração?
Não tem sido nada fácil. Merecem ser apoiados por todos nós e pelos colaboradores do banco. Recuperar a situação de confiança em que o banco se encontrava, e em especial no momento em que estamos a viver, não é tarefa fácil. Têm feito um bom trabalho.
O caso BCP pode servir de exemplo a não seguir?
Neste momento, muita gente aprendeu com o que aconteceu. E seguramente que nunca devia ter-se permitido que isto tivesse acontecido. O custo foi demasiado grande.
Quem teria a capacidade de evitar o que aconteceu?
Os vários intervenientes. Mas, a partir de certa altura, tornou-se completamente incontrolável.
Quando teve essa noção?
Antes das assembleias do Verão.
SOBRE PAULO TEIXEIRA PINTO
Telefonei-lhe e perguntei-lhe se ele tinha dito aquilo [que as 'off- -shores' eram matéria da responsabilidade de um CFO]. E a resposta que ele me transmitiu nessa altura foi a de que ele não tinha dito isso.
SOBRE JARDIM GONÇALVES
Por vezes confundiu-se a minha proximidade (com Jardim Gonçalves) com o facto de concordar com algumas das suas ideias.
SOBRE AS 'OFF-SHORES'
Havia uma área no banco, que tinha a incumbência do conselho, de remeter toda a informação pedida pelas autoridades [incluindo 'off-shores'].
SOBRE AS SUSPEITAS QUE RECAEM SOBRE SI
Acredito na Justiça. Há coisas que foram ditas que não correspondem à realidade. (...) Nunca critiquei ninguém. Se quisessem tinha ido ao Parlamento.